segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Após um longo dia, Amadeu sentara-se. Escolheu a poltrona mais confortável que havia comprado. Colocou-a bem no meio da sala de estar, num lugar onde possibilitava contemplar toda a vista de sua mais nova aquisição. Enfim havia comprado aquele apartamento dos sonhos. Duas suítes, que seriam mal utilizadas, já que era solteiro e dormia raríssimas vezes em casa devido a seu exaustivo trabalho na multinacional, três banheiros, uma cozinha americana, uma ampla sala que deveria se desacostumar da idéia de receber muitas pessoas – Amadeu nunca se permitira ser muito expansivo e simpático – e uma modesta varanda com um acabamento rústico de tijolo queimado se mesclando à modernidade da mesinha de centro em aço escovado. Um arquiteto fora contratado para trabalhar até nos mínimos detalhes. Amadeu tinha a ambição de constituir realmente sua vida ali. Vida esta que seria uma incógnita até mesmo para aqueles íntimos amigos. Tudo ali estava sendo preparado para duas pessoas, embora Amadeu sempre tivesse demonstrado que nascera para viver sozinho e feliz. Parecia até que ele podia sentir o futuro. Sentir o que estava por vir, logo.

Sentado, ali no meio da sala, pernas descansando na mesinha de centro, braços fazendo uma base para melhor apoiar a cabeça reclinada, olhos fechados. Uma mistura de êxtase, satisfação e alegria lhe completavam de uma forma nunca antes vista. Tudo isto porque, apesar de tudo, Amadeu era uma pessoa fácil de se contentar - um mero arco-íris ao nascer do dia poderia dar uma camuflada em todos os problemas da noite anterior.

Escolhera um bairro calmo, longe do centro e da agitação da cidade. Por esse motivo pouco se ouvia de qualquer coisa. Apenas alguns grilos, umas poucas buzinas de alerta e o som muito baixo de alguma tv anunciando as notícias do dia. Após alguns minutos mergulhado nessa tranqüilidade Amadeu ouve um acorde. Embora tivesse uma base musical pouco aguçada, com o histórico de apenas uns cinco meses no conservatório municipal, Amadeu soubera distinguir muito bem o que ouvira. Era um acorde de . Ele solfejara para si mesmo: ré...fá...lá. Perguntara-se de que diabos surgiu isso. Aquele acorde esparso, solitário, trouxe-o de volta ao seu apartamento cheirando a tinta. O som vinha de perto. Aí continuou, aquilo, que depois Amadeu reconhecera que era um piano. Vários acordes foram sendo fabricados, um mais bonito que o outro. Haviam variações. Bemoles e sustenidos eram utilizados. Uma pausa bonita. Uma métrica bem acabada. Ele nunca ouvira aquela música antes, mas o havia abalado com tamanha grandeza, como se estivesse ouvindo a canção de sua vida codificada em uma partitura ou então na cabeça de um gênio desconhecido, e seu vizinho.


Continua.